O
crucifixo é o livro de rezas do cristão, é o breviário da fé, o epítome da
ciência divina, o instrumento das bênçãos, o topo de todas as virtudes e o
símbolo das esperanças imortais.
Fato
admirável! Este símbolo, tão singelo quão sublime, está ao alcance de todas as
idades; fala e compreende todas as línguas; corresponde a todas as necessidades,
todas as condições, a todas as situações; instrui e consola; sustenta os
pequenos e os grandes, os ricos e os pobres, os fiéis e os pecadores, os sábios
e os ignorantes; resume em si todas as exortações e todas as prédicas; é a
figura tangível de todos os mistérios de nossa redenção. Que humano coração
poderá conservar-se indiferente e frio em face de um benfeitor generoso? Ora, o
Crucifixo é imagem daquele que nos salvou e que livrou do opróbrio a nossa
família e da servidão todos os nossos antepassados.
Não
é para admirar, pois, que lhe reservemos sempre um lugar de honra em nossa
vida, que o beijemos com amor e que lhe não lancemos senão olhares cheios de
simpatia, respeito e reconhecimento.
Estas
impressões vivas e fortes, a alma cristã as tem mil vezes experimentado. E na
verdade, para animar o fervor, basta considerar o crucifixo com uma atenção
calma e serena. Não sei que secreta virtude sai dele então que brandamente nos
toca e se insinua na alma, enternecendo-a, dilatando-a e elevando-a até Deus.
Sem dúvida que emoções tais nem sempre se enlaçam num encadeamento de orações, mas
em si contêm luminosas partículas que ao sopro de Deus se espalham esbraseantes
como labaredas de amor. Demais as simples efusões de um coração comovido têm
para Deus um preço infinitamente maior que as orações mais ricas e eloquentes.
Não,
não é necessário saber ler para aprender a rezar: o Crucifixo é o livro dos
iletrados, dos analfabetos e das crianças, mas é também para os sábios uma
filosofia e uma teologia.
Pois,
o que sabem acaso os homens que aprenderam muitas coisas e que, no meio de
todas essas coisas, ignoram a Deus e ignoram o que eles próprios são? A ciência
que não esclarece nem as origens nem os fins últimos do homem é bem
insuficiente e estéril. Por que está ele na terra? De onde vem ? Para onde vai?
Que caminho deve ele seguir? Qual a causa das suas lutas e dos seus
sofrimentos? Qual é a condição do seu triunfo e da sua reabilitação?
Qual
é em definitivo o fim da sua vida e da sua morte?
A
estes problemas capitais o Crucifixo dá soluções. Faz-nos ele pressentir a nobreza
de nossa origem e a grandeza de nosso destino, resume ao mesmo tempo a doutrina
das lágrimas e a ciência das celestes consolações e tanto ilumina o passado
como as coisas presentes e futuras.
Todos
os ensinamentos do cristianismo descem do Crucifixo como do alto de um púlpito
sagrado.
Meditando-os
com fé, nós contemplamos a majestade da Santíssima Trindade; adoramos o filho
de Deus encarnando na natureza humana, o divino Emanuel, o desejado das nações,
a esperança única dos descendentes de Eva; glorificamos enfim a Vítima que,
para nos resgatar, oferece o Seu sangue e expira na cruz “Transpassaram-lhe os pés e as mãos", dizia o profeta;
lacerou-lhe a fronte uma coroa de espinhos e a ponta de uma lança rasgou-lhe o
coração.
O
emblema deste augusto sacrifício não nos dá somente a chave da ciência; inicia-nos
também no mistério das virtudes sobrenaturais. A linguagem do Crucifixo, bem a compreendem
os que produzem na sua vida cristã a paciência, a abnegação, a resignação, a caridade
e a divina mansidão de Jesus Cristo.
O que é mais capaz de nos inspirar o horror do mal e o amor do bem, do que esta
imagem sagrada?! Que tocante exortação há nela às almas generosas! É
Jesus
Cristo quem lhes fala: “Aquele que me
quer acompanhar, renuncie-se a si próprio e siga-me!” O crucifixo estimula
a coragem, dissipa o medo e mostra todo o valor dos sofrimentos; desde então
cada dor que se junte às dores de Jesus Cristo, como a gota da água ao oceano,
adquire um mérito que faz jus a uma recompensa.
O
divino Salvador quer que participemos do conteúdo do seu cálice. Ele, sofrendo
por nós, não aboliu o sofrimento, nem morrendo por nós nos isentou da morte;
mas por seu sacrifício voluntário santificou os sofrimentos e deu vida à morte.
Dá-nos,
além disso, o exemplo da obediência cristã. Em Jesus Cristo não se veem os
murmúrios nem revoltas nem represálias; ele se submete sem resistência a todas
as provas e a todos os ultrajes. Que mansidão e que magnanimidade! Que bondade
imensa e que inesgotável misericórdia!
O
Crucifixo fala aos olhos e ao coração, excita os bons desejos, nutre a piedade
e abre a fonte das lágrimas. Ele gera os heróis e gera os mártires.
Ainda
mesmo que a alma infiel se ache inteiramente em trevas, a cruz dardeja um rutilante
raio que acorda a consciência, apazigua o desespero e enxota os terrores.
A
cruz é como uma ponte misteriosa lançada sobre o abismo; é um caminho por onde
se vai à pátria; é a alavanca que nos ergue acima de nós mesmos e que nos
transporta para os braços de nosso Pai. O Salvador crucificado pagou o resgate
do pecador e advoga a nossa causa. Ele é hoje o que era ontem e o que será nos
séculos dos séculos; cura os enfermos e dá vista aos cegos, ouvido aos surdos,
palavra aos mudos e vida aos mortos. Habituemo-nos a conversar com o nosso
Crucifixo; estudemos este luminoso símbolo. Ah! Desgraçadamente muitos cristãos
o não compreendem! Amemo-lo como se ama um amigo fiel e um supremo consolador;
veneremo-lo como se venera a venerabilíssima imagem de um Salvador. Ele é o
estandarte da nossa religião; cerquemo-lo de ferventes homenagens e ergamo-lo
bem alto nos combates da fé. É o escudo da nossa esperança oponhamo-lo com
firmeza às seduções do mundo. É o para-raios que protege os lares; reunamo-nos
em torno dele no dia das tempestades e dos perigos. E quando soar a nossa
última hora tomemo-lo às mãos e apertemo-lo ao seio, que ele suavizará a nossa
agonia, dissipará as trevas que nos rodearem e nos abrirá as portas do céu.
CRUCIFIXO DESENHADO POR SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO |
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