Este blog é composto de textos extraídos do belíssimo e raro livro de 1938 chamado "Novo Manual das Mães Cristãs" do Reverendíssimo Padre Theodoro Ratisbona da Editora Vozes.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

XVI. O pão da palavra

               O homem não se alimenta só do pão material: ele come também o pão da palavra de Deus.
               A palavra difunde a substancia daquele que fala; é a irradiação do coração, do pensamento e de todas as potencias do ser. Eis ai por que o próprio Filho de Deus é chamado o Verbo. Ele é a viva manifestação do Pai, o esplendor de sua substância, e o amor, que emana eternamente do eterno Amor, Luz da luz.
               O Verbo se fez carne; a Vida divina na carne se manifestou; o Filho de Deus, incorporado na natureza humana, conversou com os homens; e quando nós o escutamos, quando sua palavra vivificante se expande em nossos corações, ela nos transmite a graça e a verdade; nós bebemos a luz e saboreamos a existência Divina. Receber a palavra de Jesus Cristo e nutrir-se dela, é comungar espiritualmente, é unir-se a Deus.
               Também o eloqüente Bossuet, e antes dele o santo bispo de Hipona, compara a palavra de Deus à Eucaristia. Insistem ambos sobre as condições em que é preciso estar para receber o Maná Divino, debaixo destas formas. A piedade cristã tremeria ao deixar cair na terra as menores partículas do sacramento Eucarístico. Como se deixam perder com tão culpável imprudência as migalhas preciosas da palavra de Deus? A palavra, como o sacramento, se compõe de sinais sensíveis e de um espírito invisível.
               Os sinais são o hálito, som e ruído, são as silabas que ressoam sob o timbre da voz. A substancia é o espírito da vida, o pensamento, a luz e a graça que jorram da palavra e se comunicam misteriosamente aos que a escutam.
               Os sinais se percebem pelos olhos e pelos ouvidos, mas, sem nenhum valor só por si, toda a vitalidade lhes vem unicamente do espírito a que servem de veículo. Evidentemente, quando o homem fala de si mesmo ou dos seus interesses, a sua eloqüência não saberia transmitir senão o pensamento humano. O homem não é órgão das verdades divinas senão quando Deus o inspira e ele se torna assim um porta-voz consagrado e autorizado do Espírito de Deus.
               É fácil experimentar a diferença profunda que existe entre a palavra do homem e a palavra de Deus. A primeira nos pode encantar por alguns instantes, mas não dá nem tranqüilidade à alma nem firmeza ao espírito; pode adormecer a consciência, mas não a apazigua! Pode excitar o entusiasmo, mas não saberia inspirar a abnegação nem as virtudes sobrenaturais. Depois de se ter por muito tempo procurado a verdade nas escolas humanas, chega-se a reconhecer a insuficiência destas. Ao fervor das investigações e dos debates sucedem o cansaço e o desânimo; e a prova de que não se tem achado ainda o que se procurava, é que se continua a procurar sempre e não se achará jamais.
               A palavra divina, o que tem de particular é que o coração reto que a põe em prática encontra nos seus preceitos a solução de todas as dúvidas, o termo de todas as inquietações e o alimento das aspirações mais sublimes. Pode ele então exclamar, como o profeta: “Eu recolhi a vossa palavra, ó meu Deus! Dela me nutri e fiz dela as minhas delícias”.
               Com efeito, a palavra humana é impotente para resolver os problemas que atormentam o espírito dos homens em todas as idades da vida. Não pode ela desvendar os segredos das coisas futuras nem mitigar as nossas dores, iluminando as nossas esperanças; como não poderia jamais nos pôr em contato íntimo com um amor infinito.
               A sua ação é superficial e incerta; e nós temos a necessidade de uma substancia que sacie as aspirações da alma, aclarando-lhe o abismo insondável, e que dê ao espírito o repouso que ele busca na verdade.
               Só a palavra divina satisfaz esta necessidade. Não se trata simplesmente de reter formulas ou conservar na memória as expressões textuais. Da palavra divina é preciso recolher a substancia, assimilá-la à nossa alma, digeri-la por assim dizer pela assídua meditação e sobretudo praticá-la em todos os atos da nossa vida. É pelos seus frutos que ela prova a sua divina origem. “Aquele que puser em prática a minha palavra, disse Jesus Cristo, reconhecerá que a minha doutrina é de Deus”.
               O Evangelho caracteriza toda a perfeição da Imaculada Maria por este testemunho: “Ela guardava a palavra em seu coração e a meditava”.
               A exemplo de Maria, habituemo-nos a uma alimentação que santifica a alma; procuremos o pão da imortalidade. É no isolamento do nosso coração que agrada a Jesus Cristo vir instruir-nos. Ele se revela de boa vontade àqueles que o seguem e que docilmente o escutam; mas a sua graça se afasta dos espíritos presunçosos.
               Abramo-nos ao sopro das suas inspirações. Escutemos a voz divina; quer esta se faça ouvir intimamente em nós mesmos com uma unção misteriosa, quer se ofereça à nossa meditação nas santas paginas da Escritura, quer desça enfim, como um orvalho benéfico, do alto do púlpito cristão. Escutemo-la, não somente para aprender a ciência dos mistérios, mas para fortificar a vida moral, aperfeiçoar a nossa alma na divina sabedoria e torná-la frutífera no caminho da santidade. Todos os tesouros do amor, da felicidade e da luz se acham encerrados na palavra de Jesus Cristo.

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