Este blog é composto de textos extraídos do belíssimo e raro livro de 1938 chamado "Novo Manual das Mães Cristãs" do Reverendíssimo Padre Theodoro Ratisbona da Editora Vozes.

sábado, 11 de dezembro de 2010

XX. Caridade Evangélica

       Restringem-se, muitas vezes, as dimensões da caridade cristã, confundindo-a com a esmola.
               A esmola é um ramo da caridade e não a própria caridade. De outro modo seria preciso recomendarem somente aos ricos, mas entretanto, o Evangelho foi pregado principalmente aos pobres.
               Pode-se ter muita caridade, sem se estar em condições de dar esmolas: e reciprocamente, podem-se dar esmolas, sem se terem sequer os primeiros elementos da caridade.
               A caridade e a esmola são, pois, duas coisas distintas, bem que na hierarquia das virtudes cristãs, elas se filiem ambas num mesmo princípio.
               Que é a caridade Evangélica? O Apostolo traçou-lhe os caracteres divinos, mas não a definiu. A raiz da caridade é o próprio Deus: “Deus est caritas.” E, quanto às suas manifestações e às suas aplicações infinitas, irradiam estas do coração de Deus, de onde brotam torrentes inestancáveis de benefícios sobre todas as criaturas.
               O cristão não é verdadeiramente caridoso senão quando participa desta efusão da Divindade; só então se torna ele por sua vez um foco radioso, um sol de fervoroso amor, de que dimanam todas as doçuras celestes. Bem se vê que não é somente pelo esforço da nossa própria natureza que se produz esta virtude magnânima. Ela está acima das forças do homem; é sobrenatural e sobre-humana, e vem só do céu. “Caritas diffusa est in cordibus nostris per Spiritum sanctum qui datus est nobis”. “A caridade é incutida em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”.
               Este dom sagrado caracteriza os verdadeiros discípulos de Jesus Cristo; e a alma cristã que deles fosse privada, tivesse embora as qualidades mais eminentes, não seria digna de comer o Pão do céu. Não se é membro vivo de Jesus Cristo, senão quando se está animado do Espírito de Jesus Cristo; e o espírito de Jesus Cristo é o espírito da caridade. “Aquele – diz São João – que pretende viver em Jesus Cristo, deve viver como Jesus Cristo viveu”. Ora, o Cristo viveu de caridade. “Aqueles que diz estar na luz e odeia seu irmão, marcha nas trevas; ele não sabe aonde vai, porque as trevas o cegaram”.

               “Nós sabemos que passamos da morte à vida, porque amamos os nossos irmãos. Aquele que os não ama jaz na morte”.


               “Conhecemos o amor de Deus para conosco no fato de haver Ele dado a sua vida por nós. E também devemos dar a nossa vida por nossos irmãos. Meus filhos – acrescenta o amável apostolo – não amemos em palavras e nos lábios, mas em ações e em verdade.”

               A estas lições apostólicas dá Jesus Cristo uma sanção suprema: “É assim que reconhecereis meus discípulos, se reciprocamente se amam”. E São Paulo, apoiando-se na palavra do Mestre, nos declara que os mais sublimes dons e as mais esplendidas obras seriam inúteis sem a caridade.
               “Falasse eu a linguagem dos homens e dos anjos, sem ter caridade, eu não passaria de um bronze sonoro ou de um sino retumbante. Tivesse eu o dom da palavra e o de sondar todos os mistérios com uma ciência universal e uma fé capaz de transportar as montanhas, não tendo eu a caridade, nada sou. Desse eu todos os meus bens aos pobres e abandonasse o meu corpo às chamas, faltando-me a caridade, tudo isso seria inútil”.

               O grande apostolo, para nos premunir contra as falsas interpretações em um assunto tão elevado, e para banir as ilusões de uma caridade fingida e superficial, nos traça nitidamente as qualidades que distinguem a verdadeira caridade: “Ela é paciente e mansa. Ela não é presunçosa; não procura os seus próprios interesses. Não arrebata, não suspeita o mal, nem se regozija com o que aflige os outros. Ela ama a verdade; tolera tudo, crê tudo e espera tudo. As profecias terão seu termo, as línguas acabarão e a ciência passará, mas a caridade subsistirá eternamente”.

               “Há três virtudes: A Fé, a Esperança e a Caridade; a última é a maior de todas”.
               Como se adquire uma virtude tão perfeita? Como se desenvolve ela quando já se lhe têm as primícias? É unicamente pelas transmissões de Deus e pelas comunicações do homem com o céu, que a divina caridade se difunde numa alma cristã. Há canais misteriosos, invisíveis artérias, correntes elétricas que põem os nossos corações em contato com o coração de Jesus Cristo. Estes veículos por onde circula o espírito da vida são os sacramentos, porque regularizam o fluxo da vida, a ação de Deus e a reação do homem. O sacramento da penitencia é uma das condições essenciais do amor celeste, pois que purifica a urna do nosso coração, preparando-a para receber os dons divinos e as puras emanações do espírito de caridade. Só quando o coração está limpo e expurgado de todo o ressentimento, amargor e rancor, é que a comunhão produz nele os seus efeitos sobrenaturais.
               A Eucaristia é o fogo que Jesus Cristo veio trazer à terra. “E qual é o meu desejo – diz o Salvador – senão que este fogo se acenda?” – É preciso abrigar esta chama sagrada; pouco a pouco ela invade os nossos sentidos, o nosso espírito e os nossos pensamentos, insinua-se até as mais íntimas profundidades do nosso ser, e por fim, triunfando do egoísmo da nossa natureza, irrompe luminosa de nós, para manifestar exteriormente os esplendores secretos de Jesus Cristo.
               Quando a alma, arrancada a si mesma, é nutrida com a Divina caridade, reveste-se da beleza de Jesus Cristo e produz uma vegetação de virtudes que se desenvolvem e rescendem amplamente, como as flores e os frutos de uma terra de bênçãos. Cheio de um fervor veemente, o discípulo de Jesus Cristo não limita o seu zelo a se vencer a si próprio; ele é dominado pelo amor ativo do próximo; luta incessantemente pela salvação dos outros; é impelido, sem descanso, para os atos de abnegação, de dedicação e de sacrifício; sofre com os que sofrem; chora com os que choram; e sente uma inexprimível simpatia por todos os infortúnios e por todas as dores. “Caritas urget nos”.


               É o Pão do céu que incute e desenvolve em nós esta virtude heróica, desconhecida antes do Cristianismo e que não existe nas regiões em que o Cristianismo não penetrou ainda.

               E tão certo é ser a caridade o fruto da Eucaristia, que não se vê mesmo nas sociedades cristãs em que este sacramento é desprezado.

               Em tais sociedades não se recua de certo ante os sacrifícios monetários; dá-se dinheiro e demais até; mas ninguém se dá a si mesmo, física e moralmente, o que é próprio só da caridade católica. Podem-se exagerar as esmolas e multiplicar as generosidades; não se ultrapassariam, porém, os limites ordinários da natureza humana, sem esse ponto de apoio, sem o impulso que nos vem desse princípio da vida sobrenatural. As águas vivas nunca se levantam com ímpeto de sua própria força, senão quando tombam do alto.
               As seitas que rejeitam a Eucaristia se refugiam só no Antigo Testamento. Podem por isso praticar as virtudes naturais; mas ignoram as Virtudes Apostólicas, conservam-se alheias ao heroísmo da fé, da abnegação e da imolação e não compreendem os prodígios sobrenaturais da caridade.
               Os verdadeiros discípulos de Jesus Cristo são os que tomam lugar e comem à sua Santa Mesa; estes é que são as pessoas de Sua intimidade. Jesus Cristo lhes serve de modelo; e eles seguem as Suas pegadas, participam de Seu Espírito e reproduzem as Suas obras. Não vivem mais, enfim de sua própria vida; vivem somente da vida de Jesus Cristo.

               Avalie-se o poder do cristão quando esta virtude real o vivifica! É para a caridade que são dirigidas todas as promessas do Salvador, e é a elas que o Evangelho assegura o cumprimento de todos os votos e de todas as preces. Não foi a todo mundo, indistintamente que Jesus Cristo dirigiu as seguintes palavras: “Tudo o que em Meu nome pedirdes, vos será dado”. Ele não fez esta promessa, senão aos Seus discípulos, isto é, aos que praticam a Divina caridade. Estes são o que possuem o segredo de tocar o coração de Deus e nada por isso lhes é impossível.

               Ó mães cristãs! Tomai em vossas mãos esta chave de ouro do céu. Sede compassivas, caridosas e ternas.

               Cercai de desvelo os vossos próprios filhos, mas também os filhos dos outros, e sobretudo os que não tem mãe. O que tiverdes feito por eles Jesus Cristo vos pagará.
               Inspirai a caridade aos vossos filhos e as vossas filhas: Ensinai-lhes a amar como Jesus Cristo ama, e perdoar como Jesus Cristo perdoa, e a ser dedicado como ele o é.
               Iniciai-os nos doces mistérios da piedade, da compaixão e das simpatias evangélicas. E os vossos filhos, a exemplo de suas mães, se tornarão anjos de caridade.


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