Este blog é composto de textos extraídos do belíssimo e raro livro de 1938 chamado "Novo Manual das Mães Cristãs" do Reverendíssimo Padre Theodoro Ratisbona da Editora Vozes.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

XXII. Os pobres

"Feliz do homem que se compadece dos sofrimentos do seu irmão! – diz a Escritura – aquele que tem a compreensão das necessidades do seu próximo."

Ele será por sua vez assistido nos seus maus dias e o Senhor será o seu galardão. As obras de misericórdia foram, de algum modo beatificadas por Jesus Cristo mesmo; porquanto o soberano Juiz, identificando-se com os pobres, dirá um dia àqueles que houverem praticado tais obras: “Eu tive fome, e vós me destes de comer; eu tive sede, e vós me destes de beber; eu estive enfermo e encarcerado, vós me fostes visitar: entrai, pois, na alegria do vosso Deus”. Os pobres são nossos irmãos segundo a natureza; são nossos condiscípulos na escola de Jesus Cristo; e são pedras vivas no templo de Deus. Por todos estes títulos, nós os devemos amar e honrar com toda a sinceridade de nossa alma. Na qualidade de homens, eles se ligam a nós pelos laços da carne e do sangue. Eles são, como nós, peregrinos viajantes sobre a terra, acessíveis às tribulações e às dores, sujeitos à morte e chamados ao mesmo julgamento.

Eles participam conosco das fadigas da vida, de que tomam sobre si a parte mais pesada; conhecem as nossas lutas e as nossas lágrimas; aspiram ao mesmo destino.

Entre eles e nós há a solidariedade que existe entre os membros de um mesmo corpo; e por isso é que um filósofo do paganismo pôde dizer com razão: "Eu sou homem e nada do que é humano é estranho a mim". Assim a própria natureza, antes de tudo, fala ao coração e faz nascer entre nós uma irresistível simpatia. Os nossos próprios sofrimentos nos dão a medida dos sofrimentos do próximo e as contemplações que, em nossa fraqueza, reclamaríamos para nós, são as que devemos conceder aos outros. Basta ser homem para se comover à vista das chagas e das dores de outro homem, e só quem não tivesse coração olharia para elas sem piedade ou com indiferença.

Mas, sendo nós cristãos, o sentimento natural se faz sobrenatural e se eleva a um poder mais alto. O pobre, não menos que o rico, é filho da Igreja: foi resgatado pelo sangue de Jesus Cristo, e tornando-se por isso herdeiro do céu, tem o seu lugar marcado no festim dos anjos, e entre os nossos juízes se achará no derradeiro dia. Desde o presente, ele faz parte da vasta família dos cristãos da terra e do céu que põem em comum seus inesgotáveis tesouros; participa das virtudes, das obras e dos méritos de todos e está associado às riquezas de Jesus e de Maria. Um mesmo espírito, uma mesma esperança, uma mesma vida anima em variado grau os membros da família católica; e o pobre na sua dignidade, tanto quanto em sua caridade o rico, pode aspirar às mais eminentes prerrogativas.

Todos conjuntamente filhos da Igreja, nós somos os ramos de uma só árvore, nutridos de uma mesma seiva e vivendo de uma mesma raiz que é Jesus Cristo. Nós devemos pois, em virtude do laço intimo e santo que nos liga uns aos outros, suportar reciprocamente os nossos fardos, prestando-nos em tudo mutua assistência. Quanto mais cristãos formos, isto é, quantos mais penetrados estivermos do espírito de Jesus Cristo, tanto mais sentiremos os males dos outros e os gemidos alheios acharão eco em nós. "Aqueles que se tocam das misérias de outrem," - diz São Bernardo, "são verdadeiros membros da Igreja; mas merecem ser desta eliminados aqueles que não conhecem a compaixão". A Igreja não tolera os corações duros, os homens sem afeição, sem entranhas, sine affectione, que são insensíveis aos padecimentos de seus irmãos. – Os ramos em que a seiva não circula, já não pertencem à arvore viva, são ramos mortos; do mesmo modo os cristãos que não têm sentimento para os desgraçados, ficam estranhos à comunidade dos fiéis e deixam de ser contados entre os vivos.

O amor dos pobres é pois um dos sinais da vitalidade da alma e o que torna mais saliente a nossa semelhança com Jesus Cristo. O divino Mestre amava particularmente os pobres; Ele mesmo se fez pobre, nasceu e viveu entre os pobres e entre os pobres escolheu os seus primeiros discípulos. Os pobres formavam o seu cortejo e aos pobres é que o Evangelho foi primeiro anunciado.

A pobreza foi assim nobilitada; elevou-se à ordem das virtudes heróicas; tornou-se o atributo dos santos, e uma multidão de discípulos voluntariamente a abraçaram para imitar o Senhor.

Por conseguinte, se os sentimentos de Jesus Cristo são os nossos sentimentos, se as suas idéias animam as nossas e se os nossos corações estão vivificados pelo seu, nós faremos o que ele fez, amaremos o que ele amou, continuaremos as suas solicitudes e proporcionaremos aos membros sofredores de Igreja os testemunhos afetivos da nossa caridade. Demais, os bens terrestres não passam de um usufruto que a Providencia confiou aos ricos; e assim como as águas são acumuladas nos reservatórios para oportunamente regarem e fertilizarem os campos, assim a Providência não pôs a fortuna na mão dos ricos senão para fazê-los seus ministros e dispensadores.

Mas acaso somos nós generosos, caritativos e ternos, conforme o espírito do Evangelho? As nossas obras de misericórdia são acaso abundantes e superabundantes como prescreve a lei de Deus?

Não mortifiqueis o pobre, diz a escritura, e não tardeis em consolar aquele que sofre. “Se tu tens muito, dá muito; se tens pouco, dá pouco; mas dá sempre de bom coração” (Tob. Cap. IV)

O Senhor nos recomenda sobretudo que demos com alegria; Ele aceita para si mesmo a nossa esmola e repara bem mais no coração que se abre do que na mão que despende.

Oh! Como é doce a missão de diminuir e suavizar os sofrimentos dos infelizes, de prover as suas necessidades, de enxugar as suas lágrimas, de adivinhar com a inteligência da caridade as suas privações dolorosas e de trazer um raio de luz às suas sombrias tristezas.

Ó Mães cristãs! É sobretudo nesta esfera da caridade que deveis manifestar os vossos dotes e é nesta ciência da divina compaixão que precisais iniciar os vossos filhos. Conduzi vossas filhas a esses pobres casebres, fazei-lhes ver de perto os leitos da dor. O espetáculo de tantas misérias ignoradas lhe fará conhecer melhor do que os livros as tristes realidades da vida.


Vossas filhas aprenderão nesta escola a amar os pobres e a serem boas e compassivas. Elas se exercitarão à vossa vista na pratica da abnegação, da dedicação e da caridade evangélica; semearão nas lágrimas e ceifarão na alegria, recolhendo com júbilo doirados feixes de bênçãos.

Vamos recordar aqui um caso lido nos anais da Igreja.


Acusava-se a certo nobre de Milão, cristão fervoroso, de reduzir à pobreza a sua família com as esmolas excessivas que dava aos pobres. E ele respondeu: “Eu cuido dos filhos de Deus e Deus cuidará dos meus”.

Com efeito, um dos filhos desse homem se tornou santo: foi São Carlos Borromeu.

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