Este blog é composto de textos extraídos do belíssimo e raro livro de 1938 chamado "Novo Manual das Mães Cristãs" do Reverendíssimo Padre Theodoro Ratisbona da Editora Vozes.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

XXXIX. A mãe de S. Bernardo

A bem-aventurada Aletha teve sete filhos que foram todos santos. O mais velho de seus filhos se chamava Guido e a este se seguiam Gerardo, Bernardo, André, Bartholomeu, Nivardo e uma filha chamada Umbelina. Os contemporâneos que pessoalmente  conheceram esta nobre família são unânimes em prestar grandes tributos de veneração a cada um de seus membros.
Eis o que diz um piedoso cronista do século XII, abade de Saint-Thierry.
“O filho mais velho de Aletha tinha um caráter grave e justo. Amado de Deus e cheio de modéstia, era dotado de uma notável inteligência que brilhava em todos os seus atos como em todas as suas palavras. Gerardo, o segundo filho, gozava da estima geral; tinha costumes simples e castos e uma rara prudência junto a uma não menos rara penetração de espírito. Bernardo, o terceiro, farol e modelo de seus irmãos, tornou-se uma forte coluna da Igreja. André, o quarto, tinha uma alma ingênua e terna, temente a Deus e infensa ao mal. Bartholomeu, na flor da idade, em saber e prudência avantajava os velhos e possuía todas as qualidades de uma vida sem mácula. Nivardo, o mais moço, preferiu os bens do céu às riquezas da terra. Umbelina, nascida em último lugar, soube fugir às atrações da vaidade mundana e chegou a ombrear em virtudes com os seus irmãos”.
A digna mãe dessa grande família de santos pode a todos os respeitos ser oferecida como um tipo das mães cristãs. É verdade que ela teve a vantagem inapreciável de viver em uma época em que as famílias reproduziam, tanto quanto era possível, a imagem da santa casa de Nazaré.
A Igreja com a sua divina inteligência, regulava a vida privada do mesmo modo que a vida publica, fixava os princípio, da educação e intervinha nas relações civis para as nobilitar e consagrar; de sorte que tudo concorria para fomentar a fé, fortalecer a virtude, exaltar os corações e incitar o amor dos grandes cometimentos.
O papel da mulher, nessa obra de civilização cristã, era verdadeiramente belo. A religião determinava todos os seus deveres; e dignificava-os. A mãe não julgava terminada a sua tarefa depois de ter provido a todas as coisas da vida temporal: as suas vistas se erguiam mais alto e a sua ação se estendia mais longe. Mãe cristã, ela iniciava na vida da graça aqueles a quem tinha dado a vida material, e a sua felicidade, como a sua glória, consistia em os ver progredir na virtude ao mesmo tempo que cresciam em idade.
“A mãe de S. Bernardo — diz um santo bispo — tomava os seus filhos nos braços, logo após o nascimento, para os oferecer a Jesus Cristo; e amava-os desde então com respeito, como si fossem um depósito santo que Deus lhe houvesse confiado. E disto resultou tornarem-se santos os sete filhos que teve.
 Felizes os filhos que se desenvolvem sob esta influencia cristã e maternal! Aletha havia desposado, muito jovem ainda o nobre Teulino, senhor de Fontaines, perto de Dijon. Ela tinha quinze anos apenas e já a sua alma, inspirada pela graça, visava um outro destino. Mas a Providência destinara-a a ser esposa e mãe e propagar em sua numerosa família as bênçãos que a enchiam. O seu mais ardente desejo foi transmitir ao coração de seus filhos a vocação religiosa que ela havia apreciado tanto em seus primeiros anos. Unida profundamente a Jesus Cristo, fonte de todo o amor, ela comunicava a seus filhos, com o leite maternal, uma virtude toda celeste ; formou-os para o céu bem mais do que para a vida deste mundo e ensinou-lhes, desde a mais tenra idade, a discernir o bem e o mal, a preferir o melhor e a amar acima de tudo o Pai das misericórdias e das eternas consolações. Esta piedosa mãe era como um anel sagrado que ligava seus filhos a Deus, prendendo-os à Igreja e fixando-os na vida de salvação eterna. Ensinava-lhes a amar, a rezar e a esperar, inspirando-lhes o temor de Deus, a confiança e o reconhecimento, o horror do mal e o desejo da virtude e da santidade. Aletha havia estabelecido no interior da sua casa a ordem perfeita e a disciplina prescrita pelas santas leis da Igreja. Eu não posso esquecer, diz o já citado biógrafo, quanto se esforçava esta distinta mulher por servir de exemplo e modelo a seus filhos. Dentro ou fora da sua casa, ela imitava de algum modo a vida religiosa pelas suas abstinências, pela simplicidade do seu vestuário e pelo seu afastamento dos prazeres e das vaidades do século. Furtava-se o quanto possível às agitações exteriores, observando os jejuns e as vigílias, perseverando na oração e resgatando por obras de caridade o que podia faltar à perfeição de uma pessoa ligada à sociedade por diferentes laços.
Compreendem-se as impressões profundas que estes exemplos edificantes deviam ter gravado nas jovens almas que diariamente os testemunhavam. A fidelidade que os pais guardam à autoridade da Igreja é para os filhos o melhor meio de consagrar a fidelidade a todos os outros deveres.
Aletha amava os seus com uma ternura desinteressada, sem nada ter desse egoísmo natural que procura nisto a sua própria satisfação e, cultivando as ricas faculdades de seus filhos, evitava provocar-lhes à superfície do espírito certa florescência precoce e brilhante que lisonjeia a vaidade, mas que não produz nenhum fruto. A historia refere que ela os habituava a uma prática generosa de renunciação e de sacrifício; que procurava ensinar-lhes a mais útil de todas as ciências, a de sofrer com calma e dignidade; e que se aplicava sobretudo a fazer reinar entre eles, por um constante exercício de caridade fraternal, uma santa harmonia de gostos, de costumes, de ideias e de simpatias.
A austeridade desta educação cristã, temperada por tudo o que há de afetuoso e de suave no coração de uma mãe, desenvolveu as qualidades doces e vigorosas que se admiram em Bernardo e em seus Irmãos. Cada um deles manifestou as mais solidas aptidões e as mais nobres faculdades. Mas, entre as virtudes destes filhos abençoados, a piedade filial reluziu sempre como um diamante no meio das mais ricas pedrarias.
S. Bernardo, ainda mais que seus irmãos, prezava sua mãe e se deleitava com a unção religiosa do coração maternal. Bem jovem ainda, ele imitava em segredo as boas obras de sua mãe, apiedava-se dos pobres e dos aflitos, era serviçal para os irmãos e condescendente, obsequioso para todos e, pelos seus progressos de cada dia, na carreira da virtude, preludiava a santidade que mais tarde lhe encheu a vida de celestial magnificência.
Um outro contemporâneo faz ver o quanto a venerável matrona era solicita em acudir a toda a espécie de infortúnios Aletha não se limitou a acolher os pobres com bondade; visitava-os nas choupanas, pois neste ofício de caridade gostava de fazer tudo por si mesma e servia os enfermos nos hospitais, distribuindo a uns e a outros remédios e vestidos e oferecendo a todos os perfumes das consolações evangélicas. Si fossemos a narrar tudo o q ela fazia — acrescenta o biógrafo — talvez não acreditassem (1).
Progredindo, dia a dia, de virtude em virtude, ela estava completamente preparada à sua última hora. Bernardo tinha vinte anos somente, quando Deus a levou. Foi um golpe terrível para o seu jovem coração, porque, nesta quadra da vida, a piedade filial está como que em plena florescência. O filho, nos seus primeiros anos, ama a sua mãe sem avaliar o preço de uma mãe; ama-a infantilmente, quase que por instinto apenas. Mas na mocidade já ele sabe apreciar a mãe, e à sua extrema ternura se junta uma estima, uma confiança, um respeito que nenhuma frase poderia exprimir. A morte da venerável Aletha foi rodeada de circunstâncias tão tocantes que as não devemos omitir aqui. Por isso vamos deixar falar um santo monge que assistiu a esta comovente cena e que com toda a singeleza a conta:
A mãe venerabilíssima do abade de Claraval costumava celebrar todos os anos magnificamente a festa de Santo Ambrósio, padroeiro da igreja de Fontaines, com um banquete solene para o qual todo o clero era convidado. Deus, querendo recompensar a particular devoção desta santa mulher pelo glorioso Ambrósio, fez-lhe conhecer por meio de uma revelação misteriosa que ela havia de morrer no mesmo dia da festa. Certamente que não é para espantar que uma tão digna cristã fosse dotada do espírito de profecia. Aletha disse então tranquilamente e com segurança a seu esposo, a seus filhos e a toda a sua família reunida que o momento da sua morte era próxima.
“Todos, estremecendo embora, recusaram crer o sombrio anúncio, mas não tardou que a realização deste dolorosamente os alarmasse. Na véspera de Santo Ambrósio, Aletha foi atacada de uma febre violenta. No dia seguinte, que era o da festa, pediu humildemente que lhe trouxessem o Sagrado Corpo de Jesus Cristo e depois de receber o Santíssimo Viático e a Extrema Unção, sentindo-se confortada, instou para que os eclesiásticos convidados não faltassem ao festim. Quando eles se achavam à mesa,  Aletha mandou chamar Guido, seu filho mais velho, e recomendou-lhe que fizesse entrar no quarto, depois do banquete, todos os membros do clero que ali estavam. Guido executou fielmente o que a sua piedosa mãe lhe havia ordenado.
"Estávamos todos reunidos em torno do seu leito, quando a serva de Deus nos declarou com ar sereno que era chegado o seu último momento. Ajoelhamo-nos logo todos a rezar a ladainha que Aletha ia também entoando enquanto tinha voz. Mas no instante em que o coro pronunciou esta frase: “Per passionem et crucem tuarn, libera eam, Domine”, a agonizante, recomendando-se ao Senhor, ergueu a débil mão para fazer o sinal da cruz e, parando nesta atitude, rendeu a sua santa alma que os anjos receberam e levaram para a mansão dos justos. É ai que ela espera, na paz de Deus, o despertar do seu corpo no grande dia da ressurreição, quando o supremo Juiz vier julgar os vivos e os mortos e o século pelo fogo.
“Foi assim que esta alma santificada deixou o santo templo do seu corpo; a mão direita permaneceu erguida na mesma posição em que estava quando ela fez o seu último sinal da cruz, o que impressionou muito a todas as pessoas presentes.
“A feliz transmigração desta mulher cristã foi objeto de jubilo entre os anjos do céu; mas cá na terra este acontecimento mergulhou na desolação os pobres de Jesus Cristo, as viúvas e um grande número de órfãos que ela protegia” (2).
Esta narração singela e tocante indica só por si a perfeita delicadeza do gênio desses séculos de ardente fé.
Sobre a lápide funerária da cripta de São Benigno, onde foram depositados os restos da Bem-aventurada Aletha. um piedoso escultor gravou o retrato de cada um de seus filhos. Mãe nenhuma teve jamais um epitáfio tão eloquente como este da mãe de São Bernardo.
A morte não termina, porém, a missão augusta de uma mãe piedosa. Esta missão se perpetua, debaixo de outra forma, no mundo angélico.
Na vida do grande S. Bernardo nós encontramos irrecusáveis provas das relações que subsistiram além do túmulo, entre a bem-aventurada Aletha e seus filhos.
Ela apareceu visivelmente a S. Bernardo, segundo o testemunho de um doutor contemporâneo, dizendo-lhe: “Acaba, meu filho, com coragem, o que começaste a fazer: eu te espero na glória divina".
Uma aparição semelhante a esta determinou a vocação do jovem André, irmão daquele santo.
Em um momento em que ele resistia mais obstinadamente às impulsões da graça, exclamou de súbito: Vidi Matrem! “Vi minha mãe!” E, imediatamente, se lançou comovido aos pés do irmão, consagrando-se desde então para sempre ao serviço de Jesus Cristo (3).
 ó meu divino Salvador! suscita, eu vos conjuro, as mães verdadeiramente cristãs, afim de que os santos apareçam de novo entre nós e a piedade torne a florescer como nos bons tempos de outrora, para consolação da Vossa Igreja.

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1) Guill. Vl 1º, cap 2º.
2) Joan Ermita, p. 130. Ed. Mabel.
3) Giull. de Santa Thierry, cap.II




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